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Povo da lua, povo do sangue de Marcello G. Tassara (1984)



 POVO DA LUA, POVO DO SANGUE - DOCUMENTO YANOMAMI 1972-1982

 um filme de Marcello G. Tassara
16 mm, 27 minutos, 1984
Direção, roteiro (em co-autoria) e direção de arte

O filme, totalmente constituído de imagens fotográficas selecionadas do acervo de Cláudia Andujar, divide-se em três partes principais. Na primeira, a mais curta, relata-se o mito do aparecimento dos índios e do homem branco, segundo os índios Yanomami. Na segunda parte, mais documental, descreve a vide desse povo, suas formas de sobrevivência, o relacionamento entre os membros da comunidade, as diversões, o universo mítico-místico e o contato com o mundo dos espíritos, como acontece durante suas cerimônias ritualísticas. Na terceira parte, a mais crítica delas, descrevem-se algumas das transformações sofridas pelos Yanomami com a intervenção do homem branco e especula-se a respeito do futuro deste grupo tribal

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Com um olhar poético e delicado a obra transparece respeito e admiração, em sua trilha traz mitos, canticos e audios de lideres instruindo o povo em sua lingua materna

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Sobre a documentarista 

TEXTO: FUNDACIÓN MAPFRE

IMAGENS: © CLAUDIA ANDUJAR

Nascida em Neuchâtel, na Suíça, em 1931, Claudine Haas cresceu na Transilvânia, em uma família de origem protestante e judaica que morreu nos campos de concentração de Auschwitz e Dachau. A menina conseguiu fugir com a mãe, e, em 1946, chegaram a Nova York, onde mudou seu nome para Claudia Andujar, sobrenome que adotou do primeiro marido, Julio Andujar, refugiado da Guerra Civil Espanhola. Admiradora do pintor Nicolas de Stäel, se aventurou na pintura abstrata na cidade dos arranha-céus, enquanto trabalhava como guia na Organização das Nações Unidas. Em 1955 viajou pela primeira vez ao Brasil e decidiu ficar e morar em São Paulo, onde encontrou na fotografia uma forma de se comunicar e de interagir com a população local de seu novo país.

Aos poucos desenvolveu um trabalho voltado para as comunidades mais vulneráveis do país e deu início, em 1962, à série Famílias Brasileiras. Algum tempo depois, viajou para o estado do Pará, onde morou durante um mês com os índios Xikrin e, entre 1966 e 1971, trabalhou como fotojornalista e retratou alguns dos grupos menos favorecidos da sociedade, como viciados em drogas e prostitutas. Por fim, no início da década de 1970, entra em contato com os Yanomami, aos quais dedicaria sua obra entre 1971 e 1977.


Cabana perto da missão católica no rio Catrimani, filme infravermelho. Roraima, 1976

O rio Catrimani, que os Yanomami chamam de Wakatha u (tatu-canastra), nasce na Serra Parima, na fronteira do Brasil com a Venezuela e é considerado o berço desse povo indígena, que ocupa a região há mais de mil anos. Caçadores-coletores e agricultores circulam por uma área de 120 km2 dividida entre o norte do Brasil e o sul da Venezuela. Sua população estimada é de 36.000 pessoas, estando dois terços na parte brasileira. Trata-se de uma etnia dividida em vários grupos e mais de 200 comunidades com quatro línguas diferentes, mas com as mesmas raízes. A maior parte delas vive em terras altas, longe dos rios e perto de riachos e nascentes que as abastecem, mesmo em épocas de seca, com frutas e animais. Entre as décadas de 1940 e 1960, diferentes missões religiosas foram estabelecidas na região com o objetivo de proteger, evangelizar e oferecer cobertura sanitária aos habitantes da região. Carlo Zacquini foi um dos irmãos laicos que, junto com o padre João Batista Saffirio, se estabeleceram na margem do rio em 1965 e ajudaram Andujar a entrar em contato com os Yanomami e seus diversos povos. Em 17 de dezembro de 1971, a artista desembarcou em Parima com seu marido George Love pela primeira vez. Em abril do ano seguinte, ela voltou sozinha, fascinada pela cultura desta comunidade isolada e pronta para mergulhar em seu cotidiano. As imagens de Claudia dessa época, tiradas nos diferentes setores por onde passa, mostram um estilo de vida tradicional: a rotina diária no yano, as casas comunitárias que abrigam dezenas de famílias sob o mesmo teto, mulheres que colhem frutas e homens que caçam pequenos animais. Andujar fotografa etnograficamente, por respeito e curiosidade, mas com um certo distanciamento. No entanto, afasta-se do estilo documental ao qual o espectador está acostumado.


Os Yanomami queimam suas malocas quando emigram, quando querem se livrar de uma praga ou quando morre um líder importante. Filme infravermelho, Catrimani, Estado de Roraima, Brasil, 1976


 De volta à São Paulo, a artista pede prorrogação da bolsa Guggenheim que havia obtido algum tempo antes para abordar o projeto dos índios Xikrin e que acaba abandonando pelos Yanomami, e, pouco depois, enquanto o interesse da sociedade brasileira pela Amazônia é crescente, apresenta, em 1973, no Museu de Arte de São Paulo, O homem da hileia, uma peça audiovisual com dois projetores, um controle de fusão e pequenos espelhos nas lentes do projetor que multiplicavam o conjunto em sete telas. Esse foi o primeiro passo para a invenção de um universo fotográfico dos Yanomami sem a preocupação documental do jornalismo ou o rigor etnográfico da antropologia.

No ano seguinte, Andujar retorna ao rio Catrimani e tenta captar todas as etapas do rito fúnebre ou reahu, que pode durar vários dias ou semanas dependendo da importância do falecido e do ofertório de comida, traduzindo conceitos abstratos através da câmera. Aos poucos, começa a experimentar diferentes técnicas. Aplica vaselina nas lentes da câmera, usa diferentes tipos de flash ou filmes infravermelhos com os quais cria distorções visuais, brilhos e cores saturadas e aumenta os tempos de exposição para sobrepor várias cenas no mesmo quadro e sugerir visualmente a presença de muitas pessoas e a conexão espiritual entre elas. Dá forma a experiência xamânica e oferece uma nova compreensão dessa cultura, cujo significado só pode ser compreendido por meio das imagens. Ela também inicia uma série de retratos em preto e branco de adultos e crianças na frente de suas casas comunitárias. A escolha do claroescuro e dos enquadramentos estreitos cria uma atmosfera de intimidade e destaca a individualidade das pessoas retratadas. Essas imagens são a celebração da amizade, já que os Yanomami acolheram a artista em sua comunidade.

Claudia Andujar lançou uma campanha de vacinação em defesa da saúde dos indígenas e aproveitou para fazer inúmeros retratos de cada um deles

Em 1974, com a ajuda de Carlo Zacquini, a artista propôs aos indígenas que haviam sido fotografados anteriormente que fizessem desenhos em papel usando canetinhas. O resultado foram 100 desenhos, alguns deles presentes na exposição. «Inicialmente, todos os indígenas que quiseram colaborar participaram e foram convidados a fazer desenhos de tema livre. A maioria preferiu reproduzir sua pintura corporal. Pedi aos que haviam feito trabalhos mais interessantes que desenhassem cenas da vida cotidiana. Desse grupo, formou-se um grupo menor, composto pelas pessoas que mais se interessaram por essa atividade. O próximo passo foi pedir a eles que desenhassem personagens que consideravam importantes por qualquer motivo. A partir daí começamos a investigação da mitologia. Também solicitamos que incluíssem uma descrição e um comentário sobre seus desenhos», Andujar comentou em 1976.


Yanomami trabalhando nas obras da Rodovia Perimetral Norte. Roraima, 1975


No início dos anos 70, a ditadura militar brasileira lançou um programa para explorar a região amazônica. Devido à depredação florestal e mineira e à propagação de doenças – visto que muitas pessoas migraram das cidades para realizar trabalhos em um território antes isolado – o cotidiano desta comunidade ficou gravemente ameaçado. Quando Andujar denunciou esta situação, foi impedida de entrar na área e, a partir daquele momento, dedicou sua vida e obra à defesa territorial e cultural dos Yanomami através da criação, em 1978, da ONG Comissão Pró- Yanomami (CCPY) com Carlo Zacquini e o antropólogo Bruce Albert. Além disso, passou a viajar pelo mundo com o líder Yanomami Davi Kopenawa para promover a defesa dos direitos dessa comunidade e resgatar sua dignidade como povo. Por fim, o governo reconheceu a demarcação territorial desse grupo indígena em 1992. Nessa época, Claudia Andujar lançou uma campanha de vacinação em defesa da saúde dos indígenas e aproveitou para fazer inúmeros retratos de cada um deles. Vistos em conjunto, esses retratos revelam a diversidade desse grupo, os que receberam atendimento médico e o nível de contato que têm com a sociedade ocidental.

Após inúmeras campanhas de protesto, exposições e a publicação de diversos livros, entre 1993 e 2013, a artista foi se retirando gradativamente do cenário político, voltando-se apenas para a arte para manter a visibilidade da causa Yanomami. Ela foi reconhecida pela Lannan Foundation (Los Angeles, Estados Unidos) com o «Prêmio à Liberdade Cultural» e participou do festival PhotoEspaña, em Madrid, em 2012. Atualmente, suas obras podem ser encontradas em algumas das coleções mais importantes do mundo, como no Museu de Arte Moderna de Nova York ou no George Eastman Museum, em Rochester. Em 2004 recebeu uma bolsa para a organização de seu arquivo fotográfico, um trabalho que Thyago Nogueira, curador da exposição, utilizou para reunir, nos últimos quatro anos, o conjunto de fotografias, desenhos e documentos que hoje compõem a exposição Claudia Andujar apresentada no KBr Fundación MAPFRE, o novo centro fotográfico que a Fundación inaugurou em Barcelona


A jovem Susi Korihana thëri em um riacho, filme infravermelho. Catrimani, Roraima, 1972-197


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